Neste artigo objetiva-se continuar a abordagem sobre a posse e a sua tutela, delimitando a aquisição da posse.
Para tanto, serão indicados aspectos introdutórios, os tipos de aquisição da posse e as fontes de aquisição da posse.
Além disso, a exposição contemplará os adquirentes, a acessão da posse e, brevemente, a perda da posse.
Aspectos introdutórios
Conforme indicado no artigo anterior publicado no Instituto de Direito Real, o Código Civil de 2002 continuou adotando a teoria objetiva de Ihering.
Dessa forma, é considerado possuidor aquele que “tem de fato o exercício pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”, com base no artigo 1.196, do CC/2002.
A posse, por sua vez, é adquirida desde o momento em que seja possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade, nos termos do artigo 1.204, do CC/2002.
A definição do momento em que é adquirida a posse é importante em virtude dos efeitos dele decorrentes, principalmente, no que se refere à contagem do prazo para a aquisição da propriedade por usucapião, à promoção dos mecanismos processuais de tutela possessória e à disciplina de percepção dos frutos (TEPEDINO et al, 2020).
Diferentemente do Código Civil de 1916, no Código Civil de 2002 não são indicados os modos de aquisição da posse e de perda da posse.
Havia crítica no sentido de que o artigo 493 do CC/1916 ao indicar os modos de aquisição da posse e o artigo 520 ao apontar os modos de perda da posse valorizavam o elemento subjetivo do animus-, ou seja, a teoria subjetiva de Savigny.
Dessa forma, não fazia sentido tais indicações, já que desde o Código Civil de 1916 é adotada a teoria objetiva de Ihering.
Tipos e fontes de aquisição da posse
Primeiramente, pode-se dizer que há dois tipos de aquisição, a aquisição originária e a aquisição derivada.
Conforme indicado por Rosenvald e Farias (2014) na aquisição originária, a “posse natural” acontece em virtude do apossamento, da ocupação do bem, tida como a tomada de controle material da coisa por uma pessoa, que de maneira pública e reiterada pratica atos materiais que confirmam a sujeição do bem ao titular.
Na posse natural não há relação jurídica entre o novo possuidor e o possuidor anterior.
Na aquisição derivada, a “posse civil” ou jurídica é aquela que se transmite ao novo possuidor, que não se apodera da coisa, mas recebe-a de quem exercia a posse anteriormente.
A referida modalidade de posse é adquirida por relação jurídica, sem a apreensão material da coisa, exemplo locação e usufruto (ROSENVALD; FARIAS, 2014).
Tepedino et al. (2020) apontam como fontes de aquisição da posse: a aquisição ope legis, o ato lícito de conduta, a aquisição da posse por incapaz, a aquisição por intermédio de negócio jurídico, o constituto possessório, a cláusula constituti ou constituta e a aquisição por meio de esbulho.
A aquisição ope legis é aquela que resulta da lei, de ato jurídico em sentido estrito, do negócio jurídico e do ato ilícito.
A referida aquisição acontece nos casos de transmissão da posse dos bens do de cujus aos herdeiros, no momento da abertura da sucessão (TEPEDINO et al., 2020).
A posse pode ser adquirida por ato lícito de conduta, como a apreensão da coisa. Nesse caso, para que o ato produza efeitos é necessário a vontade natural, ou seja, ter consciência da aquisição da posse.
A posse pode ser adquirida ainda por incapaz, contanto que o referido tenha consciência da posse.
A aquisição da posse pode ocorrer por intermédio de negócio jurídico, como o contrato que estipula a cláusula constituto possessório.
Com a respectiva cláusula, a posse é adquirida sem a apreensão material da coisa. A situação se aplica nos casos em que não é conveniente a tradição real e o alienante não possui interesse em continuar como possuidor.
A cláusula constituta encontra-se presente de maneira frequente nos contratos de compra e venda de imóveis.
Segundo Tepedino et al. (2020) a doutrina identifica nessas cláusulas a presença do constituto possessório, com a aquisição da posse pelo comprador e a perda da posse pelo vendedor.
Com a respectiva cláusula, o vendedor adquire a posse direta por outro título, transferida pelo comprador, pelo desdobramento da posse.
Assim, vendedor e comprador, ambos possuidores, podem fazer uso dos interditos possessórios.
Na aquisição pelo esbulho, por sua vez, a posse é a adquirida por ato ilícito. O esbulho pode ser total ou parcial.
Nos casos de esbulho é ajuizada a ação de reintegração de posse em face do esbulhador, com o objetivo restituir a posse ao antigo possuidor.
Adquirentes e acessão da posse
Com base no artigo 1.205, Incisos I e II, do Código Civil de 2002, a posse pode ser adquirida pela própria pessoa que pretendia ser possuidora ou pelo seu representante, assim como, pelo terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.
No primeiro caso, a própria pessoa deve ser capaz de praticar um ato gerador da relação possessória, que consiste na possibilidade do exercício, em nome próprio, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
No segundo caso, a aquisição ocorre pelo representante, ou seja, acontece por outrem, que não pelo próprio possuidor – exemplo: quando o possuidor for incapaz, o tutor / os pais / o curador serão os representantes e terão o ânimo de adquirir a posse para a pessoa representada (AQUINO, 2013).
Destaca-se que os procuradores citados devem portar o instrumento de mandato, que lhes confere poderes especiais para que seja efetuada a aquisição em nome do mandante.
Como foi falado anteriormente, há possibilidade de aquisição por terceiro sem mandato, nesse terceiro caso, a aquisição também acontece por outrem, mas precisará ser ratificada pelo beneficiado do ato.
Nesse terceiro caso, segundo Aquino (2013), a pessoa pode ser representante sem ter poder para representar.
Quando ocorrer a ratificação, a referida retroagirá ao dia em que o ato tiver sido praticado pelo terceiro, assim como, produzirá os efeitos do mandato.
A acessão da posse, por sua vez, engloba a sucessão da posse – transmissão a título universal – e a união da posse – transmissão a título singular.
A sucessão da posse está prevista na primeira parte do artigo 1.207, do Código Civil de 2002, combinado com o artigo 1.784, do Código Civil de 2002.
Assim, com a abertura da sucessão, a posse da herança é transmitida por força de lei aos herdeiros, que continuarão com a posse do de cujus.
A união da posse está disposta na segunda parte do artigo 1.207, do Código Civil de 2002, e se refere à sucessão a título singular, “seja ela inter vivos ou causa mortis, em que o sucessor singular pode unir a sua posse à do seu antecessor” (AQUINO, p. 94, 2013).
Destaca-se que a união da posse é comumente utilizada para a aquisição da propriedade por usucapião.
Nessa situação, o possuidor pode somar a posse do antecessor à sua posse. Salienta-se que tais posses devem ser pacíficas e contínuas.
Por fim, cabe informar que a posse é perdida “quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem”, indicado no art. 1.196, nos termos do artigo 1.233, do Código Civil de 2002.
Dessa forma, pode-se dizer que o possuidor perde a posse quando deixa de exercer qualquer dos poderes inerentes à propriedade, um dos exemplos de perda da posse é o abandono do proprietário.
Referências:
AQUINO, Álvaro Antônio Sagulo Borges de. A posse e seus efeitos. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 86-102.
FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil. Reais. 10 ed. Vol. 5. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 137-146.
TEPEDINO, Gustavo.; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo.; RENTERIA, Pablo. Fundamentos do Direito Civil. vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 55-64.
Autor: Thaís Netto